Nasci a 14 de Agosto de 1989, na Ordem do Terço, na cidade do Porto. A gravidez desenrolou normalmente, no entanto, logo após o nascimento, tanto os médicos como os meus pais notaram que algo se passava comigo. Seria uma doença? Mas qual? Tudo era uma incógnita. Nasci com uma enorme bolha na cabeça, os médicos não sabendo do que se tratava, e achando que poderia ser uma infecção administraram-me injecções de netromicina durante 10 dias. As melhoras não surgiram.
O tempo ia passando, as preocupações e angústias aumentando. Os meus pais percorreram vários médicos, especialistas de diferentes áreas, até recorreram diversas espécies de medicina não convencional. Só com cerca de um ano de idade é que identificaram a doença e nos encaminharam para o Hospital de São João, no Porto, onde diagnosticaram: Epidermólise Bolhosa Distrófica Recessiva (a forma mais agressiva e incapacitante desta doença).
Nunca gatinhei como é normal nos bebés, pois o acto de gatinhar causaria feridas em várias partes do corpo, comecei a caminhar aos 2 anos de idade graças a todo o esforço e dedicação dos meus pais.
Enquanto criança não tinha noção das minhas limitações, dos perigos sempre eminentes e dos cuidados que tinha que ter, o que levava os meus pais a viverem todos os dias em constantes preocupações. Chegado à idade de iniciar a vida escolar, uma nova realidade surgia, pois já não era possível ter sempre alguém a zelar pelo meu bem-estar, o perigo de me aleijar era muito mais elevado, o convívio com as restantes crianças, as brincadeiras, as correrias, representavam sempre algum perigo, pois qualquer contacto físico, mais forte, me magoaria. Mas desde sempre os meus pais fizeram questão de me dizer tudo sobre a minha doença, nunca me esconderam nada sobre as complicações e limitações que esta doença traz, bem como os cuidados que devo ter. Eles sabiam que só assim, eu seria capaz de me “proteger”, sozinho, e que sabendo de tudo, no futuro, nunca iria ter um choque demasiado grande ao descobrir as complicações e limitações que me acompanharão ao longo da vida. Toda esta confiança e apoio que me transmitiram foi, sem qualquer margem para dúvida, essencial para ganhar força, não só física mas também psicológica, que é tão ou mais necessária que a força física, para conseguir seguir em frente. Estive em três escolas diferentes (ensino primário, básico e secundário) e em todas elas me consegui adaptar. Os primeiros tempos eram sempre mais difíceis, pois não me conheciam, nem eu conhecia ninguém, mas sempre tive a sorte de em todas elas rapidamente fazer bons amigos, amigos para a vida, que sempre me ajudaram e apoiaram em tudo.
No final do ensino secundário vinha mais uma nova etapa, o Ensino Superior, e com os 18 anos a vontade incessante de conseguir tirar a carta de condução (um dos meus sonhos desde muito pequenino). O ingresso no Ensino Superior foi mais ou menos fácil, consegui entrar na Universidade que pretendia (UTAD a cerca de 45km de minha casa) e na área que sempre quis, Informática. Mas com o inicio das aulas tudo se complicou, como a batalha por poder tirar a carta tinha sido iniciada há pouco tempo e estava muito longe do fim, o meu pai viu-se “obrigado” a levar-me antes de ir trabalhar e ir-me buscar no final do trabalho, todos os dias… Fazia 4 viagens diárias, para que eu pudesse seguir com a minha vida. Também a minha adaptação demorou mais um pouco que o costume, era um mundo totalmente novo e não conhecia rigorosamente ninguém. O tempo foi passando, a pouco e pouco fui fazendo vários amigos, que sempre me apoiaram e ajudaram em tudo, devo-lhes muito por toda a ajuda a apoio, alguns deles considero mesmo “irmãos”.
Para conseguir tirar a carta de condução foi necessário ir à delegada de saúde para que pudesse analisar quais as adaptações que eu precisaria, e arranjar uma escola de condução que me fornecesse um carro com as adaptações necessárias. Ao fim de um ano e pouco tinha finalmente a carta, a felicidade era muita, pois tinha concretizado um dos meus sonhos de criança. Os meus pais fizeram um esforço enorme para me conseguirem dar um carro, ainda que pequeno, mas que me dá uma certa independência e liberta um pouco o meu pai de todas as viagens diárias. Assim, meses depois de iniciar o segundo ano, no Ensino Superior, conseguia ir e vir sozinho, estava muito mais independente.
Actualmente, estou a frequentar cadeiras de mestrado em Engenharia Informática e faço também parte do projecto que esta Universidade tem com a Força Aérea Portuguesa. Tenho alguns projecto pessoais, algumas aplicações que desenvolvi para diapositivos moveis, há pouco tempo surgiu também a ideia/oportunidade de abrir uma empresa com 3 grandes amigos.
Mas, nem tudo são vitórias, o sofrimento diário é bastante: alguns dias as dificuldades em engolir alimentos, outros, as úlceras oftálmicas que aparecem e todo o tratamento diário que é necessário fazer, representam algumas dessas razões. Já fiz 11 cirurgias, ou seja, já carrego comigo 11 anestesias gerais, esta doença causa também anemia crónica, já perdi a conta ao número de transfusões de sangue ou doses de ferro intravenoso que tive de levar.
Se me perguntarem onde arranjo força para seguir em frente? Eu responderei que não sei, apenas posso dizer que a minha motivação é a minha família e os meus amigos, principalmente os meus pais e a minha irmã, e que acredito que Deus nunca nós dá mais lutas, nem maiores do que aquelas que conseguimos aguentar. Sei que os meus pais tudo fizeram, e fazem, para combater esta doença, e procuraram sempre darem-me a melhor qualidade de vida, na medida do possível. Sei que dariam tudo para que uma cura aparecesse e é por isso que todas as vitórias e conquistas, que vou conseguindo, são dedicadas a eles.
Posso dizer, sem qualquer dúvida, que sou feliz! Sim, tenho uma doença rara, incurável, que me causa um enorme sofrimento, muitas limitações e complicações de saúde… Mas também tenho uns pais que adoro e grande amigos, que me acarinham, apoiam, ajudam, com quem passo bons momentos e sobretudo me dão forças e alegria para seguir em frente!
Apenas peço que não olhem para nós (portadores de doenças raras) com sentimento de pena, que muitas vezes vejo em pessoas que nem sequer me conhecem. Sim, somos diferentes, fisicamente, mas no fundo somos pessoas “normais”, como todos vocês, temos as mesmas necessidades e sentimentos!
É este o resumo da minha vida 🙂
“Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais” Bob Marley
André Pinheiro
11 de Fevereiro de 2012