Nasci a 04 de Março de 1979 na Clínica da Carreira, Freguesia de São Pedro, Funchal. Tudo decorreu normalmente até que passadas 48 horas começaram a aparecer “bolhinhas” nos dedos e no nariz. Minha avó materna, muito atenta, aliás, como todas as avós, na preocupação de saber se a neta tinha saúde perfeita, desconfiou que afinal “aquilo”, nos dedos e no nariz, não era lá muito comum. Alertou os meus pais que logo chamaram o médico ginecologista, o qual em seguida transmitiu a preocupação ao pediatra que por sua vez, de imediato diagnosticou as bolhas como sendo: flor do parto.
Receitou posteriormente medicamentos para esse “diagnóstico”, precipitado, diga-se de passagem. Mas não o critico, pois durante o seu curso de medicina, nunca deve ter estudado a doença que herdei. O relógio corria e cada vez mais acentuavam-se as “bolhas,”. A preocupação aumentou entre a família e principalmente nos meus pais. Duas semanas após o meu nascimento, contam meus pais, o diagnóstico então realizado pelos médicos garantia que não era a flor do parto, mas sim o pênfigo! A luta continuou, mas decorridos quase dois anos e sob efeito de uma dieta rigorosa para o referido pênfigo eu não conseguia andar.
Aos dois anos, aconselhados pelo médico de minha mãe, eu e meus pais fomos a Lisboa tentar descobrir a doença e um tratamento que tivesse efeito. O médico de Lisboa ao examinar-me encaminhou-me a diversos especialistas em dermatologia em hospitais tanto públicos quanto privados, à procura do que ainda não tenho: saúde. Depois das consultas em Lisboa, os médicos sugeriram que procurássemos o Chefe do departamento de Dermatologia do Guy’s Hospital, em Londres. Este médico juntamente com outros dermatologistas analisaram-me e deram o diagnóstico: Epidermólise Bolhosa Distrofica (Tipo recessivo)…a forma mais agressiva desta doença que provoca mais incapacidade.
Após inúmeras consultas, com 2 anos e meio, fui finalmente diagnosticada. E a pior de todas as notícias caía-me em cima: Uma doença incurável! Mesmo com pouca idade, perguntei-me muitas vezes: Deus porque eu? PORQUE EU? Já nessa altura sentia que não era igual às outras crianças. Tinha limitações impostas pelas feridas e ligaduras.
Pouco antes de completar três anos, por muita dedicação dos meus pais, eu finalmente caminhei. Mas meu desenvolvimento físico era debilitado… Mais tarde vim a saber, que esta doença causa anemia crónica. Dos médicos aos curandeiros, passando pelas promessas aos santos, racional ou irracionalmente tudo serve para agarrar-se à fé, sobretudo para alcançar a saúde e a “perfeição”. O que esteve ao alcance dos meus pais foi feito. Não coloco isso em dúvida e tenho a convicção plena e segura que tudo fizeram e fazem para libertar-me desta “Epidermólise”. Tenho essa certeza, tanto quanto desejo ter saúde.
Em 2010 pensando que, com meu suposto “amadurecimento” dos mais de 30 anos a lidar com esta doença, a situação não poderia piorar… eis que surge logo no início do ano, mais uma complicação: os carcinomas e com eles as cirurgias, uma seguida de outra, mais feridas e mais dores. Agora além das feridas próprias da EB, que após anos de curativos, antibióticos e cuidados, algumas mesmo assim nunca cicatrizam, ainda há as feridas pós-cirúrgicas. Os carcinomas obrigam a uma cirurgia profunda para remoção completa do carcinoma, muito invasiva, deixando feridas enormes que demoram muito a cicatrizar. Como é óbvio tudo isto causa-nos muito receio.
Devido a última cirurgia para remoção do carcinoma, desenvolvi atrofia no braço e para tentar recuperar a mobilidade faço fisioterapia. Toda ferida que verifico estar com aparência estranha, diferente das outras, pois nós (portadores de EB) percebemos a diferença, fico com o coração nas mãos, pensando se vou conseguir livrar-me mais esta vez. (Tenho amigos portadores de EB na Net, um deles brasileiro, que já sofreu amputações por conta dos carcinomas).
Uma das poucas coisas que lamento, é não haver atendimento odontológico especializado em EB. A dor das feridas que ficam em carne viva associada á dor de dentes, torna impossível ter qualidade de vida.
Mas posso afirmar: sinto-me feliz por ter pais que proporcionam-me tudo o que podem para que eu me sinta bem na medida do possível!
Diria que vivo numa procura do instante de tempo, mesmo que um segundo, em que realmente me sinto bem. E em busca de um sentimento que não seja a pena, que normalmente percebo nos olhos dos outros. Mas principalmente, espero não me tornar um desafio muito pesado à minha família. Que nunca tenham qualquer tipo de culpa pelos genes que me transmitiram. Afinal o que determina a taniacombinação dos genes das doenças raras e crónicas? Uma certeza eu tenho: não são nossos progenitores.
Aqui contei apenas um pouco de mim. As abordagens técnicas sobre a doença deixo aos especialistas e cientistas. As sugestões sobre as políticas públicas inexistentes… deixo para os políticos repensarem sobre como seria viverem um dia como nós.
Tenho uma doença rara, mas sou uma pessoa comum. Com necessidades físicas, emocionais, sonhos e esperanças, como qualquer outra pessoa “normal”.
A minha vida resume-se a tentar ser e fazer como Gandhi: Usar minhas próprias limitações como força para vencê-las.
Tânia Borrageiro
05 de Fevereiro de 2011
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